Governo inicia campanha para vacinar 54 milhões de pessoas na rede pública; saiba quem pode ser imunizado, quais vírus circulam no país e como se proteger
Por ser muito comum, a gripe parece uma doença inofensiva. Mas ela pode ser grave e até matar. Só neste ano, 62 pessoas já morreram no Brasil em decorrência da infecção pelo vírus Influenza — isso porque a temporada outono-inverno mal começou.
No mundo, são até 650.000 mortes por ano, dado divulgado recentemente pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e que se mostrou mais elevado do que as estimativas anteriores, que ficavam entre 250.000 e 500.000.
Na segunda-feira (23), a rede pública brasileira começa a oferecer a vacina contra a doença. Até 1º de junho, quando termina a campanha, o governo pretende imunizar 54 milhões de pessoas — 2 milhões a mais do que no ano passado.
Especialistas esperam que não se repita no Brasil o que ocorreu nos Estados Unidos nesta última temporada. Entre o fim de 2017 e o início de 2018, o país registrou um alto número de hospitalizações e mortes por gripe, principalmente devido ao H3N2, um subtipo do vírus Influenza A.
Ao contrário do que vem sendo propagado, o H3N2 não é um vírus novo. “Ele circula na espécie humana desde 1968, mas tem um potencial de mutação grande e por isso existe a dificuldade de fazer uma vacina que seja muito adequada para ele”, explica a infectologista Nancy Bellei, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia.
Como a vacina que será dada no Brasil é diferente da que foi aplicada no Hemisfério Norte, pode ser que por aqui o quadro seja outro. Mas, para isso, os médicos alertam que os brasileiros precisam se imunizar — especialmente aqueles que estão nos grupos de risco. “A gripe é uma doença que atinge 10% da população e é potencialmente grave. A vacina é o principal método de prevenção”, afirma Isabella Ballalai, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).
Leia a seguir 15 perguntas e respostas sobre a gripe e a vacinação.
Por que houve um surto grave de gripe nos Estados Unidos?
A epidemia do último inverno americano foi considerada a mais grave desde a pandemia pelo H1N1, em 2009. O vírus mais dominante entre os infectados foi o H3N2, um subtipo do Influenza A que já circula na espécie humana há cinquenta anos, mas tem um grande potencial de mutação. Neste ano, a vacina usada no Hemisfério Norte foi pouco eficaz contra a variação do H3N2 que circulou por lá: a proteção foi de apenas 25%. Isso gerou uma alta taxa de hospitalização e de mortalidade, principalmente de idosos.
O vírus H3N2 está no Brasil?
Sim. Assim como em outros anos, ele já foi detectado nesta temporada. Isso não significa que teremos uma epidemia forte como a dos Estados Unidos, já que a vacina usada no Hemisfério Sul é diferente e ela pode ser mais eficaz contra esse subtipo do Influenza.
Como deve ser a epidemia deste ano no Brasil?
Não dá para prever como vai ser — depende das mutações sofridas pelo vírus Influenza, da quantidade de pessoas que se vacinarem, das temperaturas e da umidade relativa do ar, entre outros fatores.
Quais são os sintomas da gripe e como diferenciar de um resfriado?
A febre alta é o sintoma mais importante da gripe e dura em torno de três dias. Outros sintomas são tosse, coriza, dor de garganta, dor muscular e dor de cabeça. O quadro geral dura, em média, uma semana. Na forma grave, a gripe causa falta de ar, febre por mais de três dias, dor muscular intensa e prostração.
Já os resfriados são causados por outros vírus e têm alguns sintomas parecidos com os da gripe (como tosse, coriza, dor de garganta), mas são mais leves e duram menos tempo: entre dois e quatro dias. É menos comum ter febre e, quando ocorre, costuma ser baixa.
Como a gripe é transmitida?
Principalmente pelo contato com secreções das vias respiratórias de uma pessoa contaminada ao falar, tossir ou espirrar — ela pode transmitir o vírus a quem está a até 1,5 metro de distância. Ambientes fechados favorecem essa disseminação. Também pode ocorrer contaminação indireta, quando alguém coloca a mão em superfícies recentemente contaminadas por secreções respiratórias de uma pessoa doente.
O período em que alguém gripado pode transmitir o vírus vai de um dia antes do início dos sintomas até sete dias depois. Mas quem não está com febre há mais de 24 horas não oferece risco importante de transmissão.
Como se prevenir?
A vacinação é a principal maneira, mas também recomenda-se lavar as mãos frequentemente com água e sabão, não manipular lenços ou objetos usados por alguém doente, manter os ambientes bem ventilados e evitar a proximidade de pessoas que tenham sinais de gripe.
O Ministério da Saúde faz uma recomendação especial para os cuidadores em creches, onde há várias crianças convivendo juntas e estão mais vulneráveis à doença. Esses profissionais devem lavar periodicamente as mãos e os brinquedos com água e sabão, usar lenços descartáveis para limpar o nariz das crianças e avisar aos pais caso algum aluno tenha sintomas de gripe. Crianças doentes devem ficar em casa até pelo menos 24 horas após o desaparecimento da febre.
Quem tem direito à vacina na rede pública?
Idosos acima de 60 anos, crianças de 6 meses a 4 anos, gestantes, puérperas (até 45 dias após o parto), indígenas e pessoas com comorbidades (diabetes e hipertensão, por exemplo). Profissionais de saúde, professores de escolas públicas e privadas, detentos e profissionais do sistema prisional também têm direito à vacina gratuita. Quem não está nesse grupo e desejar se vacinar pode procurar uma clínica privada.
A vacina das clínicas particulares é a mesma da rede pública? Quanto custa?
A vacina ofertada pelo SUS é trivalente, ou seja, protege contra três tipos de vírus (H1N1, H3N2 e um tipo de Influenza B). Na rede particular é possível tomar a vacina quadrivalente, que protege também contra um segundo tipo de Influenza B.
O preço da tetravalente varia entre R$ 100 e R$ 150 e da trivalente, de R$ 80 a R$ 100, de acordo com a Associação Brasileira das Clínicas de Vacinas.
Quem não pode tomar a vacina?
Praticamente não há contraindicações — apenas quem já teve choque anafilático devido à própria vacina de gripe não deve tomar. Costumava-se recomendar que pessoas com alergia severa a ovo não se vacinassem. “Mas vários estudos internacionais mostraram que não tem problema porque a quantidade de proteína de ovo usada na vacina é muito pouca. No exterior essa orientação já foi tirada. Nós vamos caminhar para isso também”, diz Nancy Bellei, da Unifesp. No Brasil, o Ministério da Saúde pede que pacientes com o problema procurem um médico para orientações.
Quem está gripado pode tomar a vacina?
Sim. A única recomendação é que quem está com febre espere a temperatura normalizar. “Esse cuidado é apenas porque, se a febre aumentar, ficará a dúvida se foi ou não reação à vacina”, diz Isabella Ballalai, da SBIm.
A vacina provoca gripe? Quais são os efeitos colaterais?
A vacina não causa gripe, já que é composta apenas por vírus inativado (morto). Os possíveis efeitos colaterais são raros e leves: desconforto, vermelhidão ou dor no local da aplicação e mal-estar.
Qual é a eficácia da vacina?
Em média, de 50% a 85% — o grau de proteção depende de vários fatores, como a idade do paciente e a correspondência da vacina com os vírus da temporada. “Quando a vacina coincide com os vírus que estão circulando e nenhuma mutação de última hora nos pega desprevenidos, a média é de 70% a 80%”, diz Isabella Ballalai, da SBIm. Ela acrescenta que normalmente o efeito é melhor nas crianças e pior nos idosos. Mesmo quando não impede de desenvolver a doença, a vacina pode reduzir sua gravidade e o risco de complicações.
Quem tomou a vacina no ano passado deve se vacinar de novo?
Sim, por dois motivos. Primeiro, porque a vacina protege por no máximo um ano — em seis meses, essa proteção já diminui bastante. Segundo, porque a composição dela é atualizada a cada ano, de acordo com os tipos de vírus Influenza que mais estão circulando na temporada.
Grávidas e mulheres que amamentam podem tomar?
Podem e devem. Gestantes têm imunidade mais baixa e, por isso, maior risco de complicações devido a gripe. Além disso, a grávida que se vacina passa os anticorpos para o bebê, que já vai nascer com essa proteção. Quem está amamentando também pode tomar.
Como tratar a gripe?
Na maioria dos casos, a doença melhora sozinha em uma semana. A recomendação é beber bastante água, descansar e, se for preciso, tomar alguns remédios para aliviar os sintomas. Existem também medicamentos antivirais, mas eles são indicados em casos específicos, principalmente para grupos de alto risco.
Para não contaminar as pessoas em volta, o doente deve cobrir o nariz e a boca e usar lenço descartável ao espirrar ou tossir, lavar as mãos com frequência e evitar ir ao trabalho, à escola ou a ambientes com aglomerações.
Fontes: Isabella Ballalai, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm); Ministério da Saúde; Nancy Bellei, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia; Influenza — Abril de 2018 (publicação da Sociedade Brasileira de Infectologia)